Fisiopatologia

Fisiopatologia dos transtornos de humor


Nas últimas décadas, a neuroquímica vem recebendo um grande destaque nas
pesquisas sobre a fisiopatologia da depressão, particularmente a partir da
observação do mecanismo  de ação dos antidepressivos gerando alterações agudas sobre os níveis sinápticos dos neurotransmissores. Entretanto, com o passar dos anos, verificou-se que essas hipóteses eram muito limitadas na sua capacidade de explicar a fisiopatologia, e foram propostas hipóteses mais
complexas, focalizando as alterações em múltiplos sistemas de
neurotransmissão e as adaptações celulares e moleculares aos medicamentos
antidepressivos.


Modelo monoaminérgico na fisiopatologia da depressão


A síntese do neurotransmissor se faz a  partir de um precursor (tirosina,
triptofano, colina e outros alfa-aminoácidos) que, vindo do meio externo para o
interior do neurônio, atravessa a membrana do corpo celular da estrutura
neuronal por intermédio de mecanismos especializados. Como passo seguinte,
o precursor e suas enzimas encaminham-se, por processos ativos de
condução, para a porção terminal do neurônio, a telodendria do axônio, onde
uma parte menor dele fica livre no citoplasma e a parte maior fica armazenada
em órgãos denominados vesículas  sinápticas. Quando acontece a
despolarização do neurônio, fenômeno bioelétrico, físico-químico, surge um
potencial de ação e o neurotransmissor é, então, liberado por ação de enzimas
(as monoamino-oxidases) armazenadas  nas mitocôndrias. Liberado o
neurotransmissor, através de um processo conhecido como exocitose, a
vesícula sináptica funde-se à parede, porém, da membrana da porção terminal
do neurônio, o axônio. Em seguida,  voltando a desempenhar função de
vesícula sináptica, o neurotransmissor, junto com outras substâncias, é lançado
na fenda sináptica. Os sistemas monoaminérgicos se originam em pequenos núcleos no tronco
cerebral e mesencéfalo e projetam-se difusamente pelo córtex e sistema
límbico. Esses sistemas são compostos por neurônios que contêm adrenalina
(ou norepinefrina [NE]), serotonina (5-HT) e dopamina (DA). Junto com a
acetilcolina (ACh), eles exercem efeitos de modulação e integração sobre
outras atividades corticais e subcorticais e estão envolvidos na regulação da
atividade psicomotora, apetite, sono e, provavelmente, do humor. Inicialmente,
as monoaminas constituíram a principal hipótese envolvendo os
neurotransmissores cerebrais.
A hipótese das monoaminas baseia-se no  conceito da deficiência das aminas
biogênicas, particularmente NE, 5-HT e DA, como a causa das depressões. A
primeira hipótese aminérgica de Schildraut (1965) e Bunney e Davis (1965) foi
denominada hipótese catecolaminérgica, pois propunha que a depressão se
associava a um déficit nas catecolaminas, principalmente a NE. A figura abaixo
ilustra essa associação e a liberação dos neurotransmissores na fenda
sináptica.






Posteriormente, surgiu a hipótese serotonérgica, de Van Praag e Korf (1971),
que teve grande impulso com o desenvolvimento da classe de antidepressivos
chamados inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), e a
hipótese dopaminérgica de Wilnner (1990), devida à implicação da DA nos
fenômenos de recompensa cerebral, estando envolvida na fisiopatologia da
anedonia (Nemeroff, 1998; Ordway, Farley, et al., 1999; Iritani, Tohgi, et al.,
2006; Joca, Ferreira, et al., 2007; Sumegi, 2008).  Além disso, outros estudos
demonstraram que o uso continuado de antidepressivos tricíclicos (ADT)
aumenta a resposta comportamental à DA injetada no núcleo acumbens, que
age como interface entre o sistema motor e o sistema límbico (Nemeroff, 1998).
As figuras abaixo ilustram a interação entre monoaminas e seus correlatos
clínicos propostos.






Apesar da relevância da hipótese das monoaminas na  investigação da
depressão, existe certa resistência para sua plena aceitação, especialmente
devido ao fato de que todos os medicamentos antidepressivos aumentam, de


imediato, as monoaminas no âmbito das  fendas sinápticas, porém seu efeito
clínico só ocorre algumas semanas depois.
Foi necessário o estabelecimento de hipóteses que explicassem essa latência
na resposta e que levassem em conta os efeitos adaptativos crônicos dos
receptores na administração de antidepressivos. O conhecimento atual da
complexa inter-relação entre os sistemas neurotransmissores cerebrais
restringiu as hipóteses de déficits de neurotransmissores nas fendas sinápticas
a concepções simplistas, e uma de suas consequências foi o deslocamento do
foco das hipóteses biológicas da depressão para os receptores dos
neurotransmissores.


Teoria da suprar-regulação pós-sináptica (up-regulation)


O conhecimento dos receptores cerebrais evolui constantemente, sendo já
identificados quatro subtipos de receptores noradrenérgicos,  sete subtipos de
receptores serotoninérgicos e cinco subtipos de receptores dopaminérgicos.
Alguns desses subtipos são ainda subclassificados em diferentes isoformas,
tendo por base características farmacológicas e moleculares. O interesse a
respeito da importância dos receptores na biologia da depressão derivou dos


seguintes achados:
a) a depleção de monoaminas provoca um aumento compensatório do número
de receptores pós-sinápticos (up-regulation);
b) estudos post-mortem, em cérebros de pacientes suicidas, encontraram um
acréscimo no número de receptores 5-HT2 no córtex frontal;
c) a ativação de alguns subtipos do mesmo receptor provoca efeitos diversos e
até mesmo opostos, como no caso dos receptores 5-HT2 e 5-HT1A.


Assim, alterações da função dos sistemas neurotransmissores podem ocorrer
através da mudança na sensibilidade de receptores pré e pós-sinápticos, sem
alteração da quantidade do próprio neurotransmissor. Essa observação
permitiu que a hipótese de deficiência de neurotransmissores fosse modificada
e, em seu lugar, fosse proposta  a hipótese de dessensibilização dos
receptores. Tal hipótese propunha que o  atraso no aparecimento do efeito
terapêutico dos antidepressivos estava relacionado a alterações no número e
sensibilidade dos receptores monoaminérgicos. Como esse efeito demora dias
ou semanas para ocorrer, os investigadores propunham que a depressão podia
ser explicada por uma supersensitividade de receptores betaadrenérgicos
(Paillere-Martinot, et al., 2007).
A redução de serotonina e de noradrenalina na fenda sináptica se associariam
à presença de sintomas de ansiedade, impulsividade e queda de energia. Já a
dopamina se associaria à questão volitiva. Regiões relacionadas ao controle do
humor, como córtex pré-frontal e hipotálamo, áreas límbicas e demais áreas do
circuito que regula o humor apresentam uma interação com o sistema
monoaminérgico, particularmente serotonina e noradrenalina  e dopamina.  A
hipótese monoaminérgica implica a  redução da neurotransmissão, com
consequente up-regulation dos receptores pós-sinápticos na fisiopatologia dos
transtornos de humor (Nemeroff, 1998). As alterações presentes na sensibilidade e no número de receptores, podem ser vistas meramente como
marcadores de adaptações crônicas dos neurônios monoaminérgicos, em vez
de representarem o mecanismo terapêutico.
A hipótese de dessensibilização tem limitações e não fica claro se a super ou
subsensibilização de receptores é  apenas um epifenômeno ou é um passo


fundamental na ação antidepressiva. A figura abaixo ilustra o aumento dos
receptores secundário à redução dos neurotransmissores na fenda sináptica.






Até hoje se conjetura a  implicação dos receptores alfa-2-adrenérgicos pré-
sinápticos e dos receptores dopaminérgicos D1, estes últimos podendo se
apresentar hipoativos na depressão, com a possibilidade da via dopaminérgica
mesolímbica estar disfuncionante nessa patologia. Com menos evidência, mas
também sob investigação, estão os  receptores da acetilcolina, alguns
receptores opioides endógenos e os  receptores GABAB, entre outros.


FONTE: Depressão – bases biológicas e neuroanatomia 
Dra. Tania Correa de Toledo Ferraz Alves 
Professora Colaboradora Médica do Departamento de Psiquiatria da Faculdade 
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) 
Professora Assistente das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica da 
Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) 
CRM-SP 85.182 

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